Imagens mostram operação que prendeu quadrilha chefiada por mulher
O Fantástico teve acesso a essa investigação e encontrou uma gravação estarrecedora: um sargento da PM, por telefone, manda que um gerente do tráfico use meninos em uniforme escolar para vender drogas.
Na última sexta-feira, no Centro do Rio, 300 policiais estiveram nas ruas para prender 72 pessoas, entre elas 21 PMs. Essa operação acontece depois de uma investigação iniciada dez meses atrás.
Em maio de 2012, o Fantástico mostrou as fortalezas do tráfico em pleno centro da cidade.
Bandidos tinham instalado portões de ferro para se proteger da polícia e de grupos rivais. E lá dentro menores de idade vendiam drogas. O Fantástico mostra com exclusividade os desdobramentos e os bastidores das investigações. E você vê pela primeira vez como funcionava o tráfico numa comunidade ocupada permanentemente pela Polícia Militar.
O Morro da Providência é a favela mais antiga do Brasil. Ela foi dominada por criminosos durante mais de 30 anos. Até que em abril de 2010 recebeu uma UPP. A Unidade de Polícia Pacificadora do Morro da Providência foi a sétima instalada no Rio. Há quase três anos, traficantes deixaram de ostentar fuzis por becos e ladeiras, mas nunca pararam de vender drogas. Mudaram apenas a estratégia de comercialização.
Ao lado do morro, estão a sede da Secretaria de Segurança do estado e o comando militar do leste. Na vizinhança, o quinto batalhão da Polícia Militar e a sede da Polícia Federal. Mesmo assim, a quadrilha conseguia vender drogas em várias ruas e em pelo menos sete pontos fixos, até mesmo nas fortalezas estouradas pela polícia em 2012.
“A parte toda do Centro do Rio de Janeiro e agora a parte toda revitalizada e que está se revitalizando, ela tá ocupada por eles. Eles dominaram esse local”, diz Alexandre Estelita, da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente do Rio.
“Nós mapeamos os locais para onde eles foram, eles tiveram que ir, recorrer a outros lugares e também como eles driblam a polícia na hora de se movimentar com as drogas, de transportar a droga até os pontos de venda e voltar com as contas. Se houver polícia em algum lugar eles saem por outro, e andam com veículos regulares, não chamando a atenção. Guardam drogas em diversos locais, não fica droga armazenada toda no mesmo local. Não sai com as mesmas pessoas, sai pulverizada”, explica a delegada da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente, Bárbara Lomba.
Noite de quinta-feira passada. Uma equipe da Polícia Civil para um carro. O motorista é rendido. No banco de trás, duas mulheres. Uma delas é procurada pela polícia.
Mulher: Isso é esculacho.
Policial. Não tem esculacho nenhum.
Mulher. Está bom.
Andreia Vieira de Oliveira, conhecida como ‘Tia’, era a chefe da quadrilha. Ela assumiu os negócios no Morro da Providência quando Evanilson Marques da Silva, o Dão, foi preso em 2006. Mesmo depois que o bandido foi solto, há quase dois anos, ela não perdeu o posto.
“Ela é muito enérgica, ela cobra realmente. Se mostra insatisfeita quando há uma apreensão, uma fuga pra um local que não poderia ter havido. Ela tem mão de ferro, sim”, conta a delegada.
Para prender Andreia e seu bando, a Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente monitorou os telefonemas e os passos da quadrilha. Foram quase 62 mil ligações telefônicas grampeadas com autorização da justiça e cerca de 50 horas de filmagens. Numa ligação, por exemplo, Andreia fala com uma mulher sobre a compra de um fuzil.
Andreia: Naquele dia lá, que tu levou o dinheiro do fuzil, foi R$ 40 mil?
Mulher: Não. Foi R$ 35 mil.
Imagens inéditas do Fantástico mostram como essa investigação foi feita. Semanas antes de ser presa, Andreia começa a fazer ginástica na academia de um shopping da Zona Sul do Rio.
Em outra imagem, ela está num restaurante, comendo feijoada. Em seguida, ela vai cuidar da saúde, como contam os investigadores.
Do alto de um prédio de sete andares foi possível observar também o esconderijo principal da criminosa, a quase um quilômetro: tecnologia a favor da segurança. Com uma câmera acoplada a uma luneta, fotos e imagens foram feitas da casa. Sem chamar a atenção de ninguém.
“A gente fez um teste com um binóculo, botou uma lente num binóculo, funcionou. A gente achou: bom, então vamos colocar logo um telescópio. Aí deu certo também”, conta Reinaldo Leal, da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente.
A quadrilha de Andreia tem mais de 50 integrantes. “Eles usavam sempre telefones em nomes de terceiros, em nome de outras pessoas. Então a gente para identificar que um determinado apelido era uma pessoa, isso levou bastante tempo”, explica Alexandre Estelita.
Os policiais tiveram que ser criativos na abordagem dos suspeitos, para identificar todo mundo. Exemplo: um investigador conversou com uma mulher. Ele fingiu ter recebido denúncia de maus tratos contra a criança que estava no colo dela. Pelo telefone, é orientado pela equipe que estava gravando as imagens. A mulher deu o nome verdadeiro ao policial e foi liberada. A abordagem deu certo.
Agora eles sabem que ela é Cristina Rocha da Conceição. E ao longo das investigações a polícia descobre que ela distribuía droga e recolhia o dinheiro para Andreia, a chefe do tráfico.
Cristina foi presa na operação de sexta-feira. Para conseguir o nome de outro integrante da quadrilha, os investigadores usam a mesma estratégia. Vão à hospedaria onde ele mora com a família. “Inventamos uma história de que teria criança lá dentro do hotel sofrendo algum tipo de abuso”, diz a delegada.
É Roberto Pereira Moizinho, mais um gerente da quadrilha de Andreia. Ele também foi preso na operação de sexta-feira passada.
As investigações da Delegacia da Criança e do Adolescente descobriram que o tráfico funcionava no centro da cidade porque tinha aliados importantes. Policiais militares, que ganhavam propina para não reprimir a bandidagem. Cada equipe, formada por dois PMs, recebia R$ 200 por dia de colaboração. Ao todo, 21 policiais militares foram identificados pela Secretaria de Segurança e pelo serviço de inteligência da PM.
Todos são do batalhão que fica perto do morro. Todos coniventes com a quadrilha.
“A gente recolheu praticamente duas a três provas, quatro, contra cada policial. O indiciamento foi bem contundente e prudente. A gente sabe que aquilo ali é uma minoria e que não representa a Polícia Militar. Eles são marginais fardados e como tais são tratados assim pela instituição”, diz o subsecretário de inteligência Fábio Galvão.
Nenhum dos PMs trabalha na UPP da Morro da Providência.
“Eu acho que a própria UPP vem contribuir para que a gente pudesse de forma exaustiva formar um conjunto de provas suficientemente importantes para obter sucesso na conclusão desse trabalho”, afirma o secretário de Segurança José Mariano Beltrame.
Praça Mauá, região central do Rio. Anderson Dias é segurança de uma boate que trabalha para Andreia pagando propina a policiais militares.
Em outras imagens, ele aparece chamando um sargento da PM, Fabrício Pereira Martins, e apertando a mão dele. O relatório da investigação afirma que nesse aperto de mão, Anderson deu dinheiro ao policial.
Anderson, o sargento Fabrício e o sargento Jerônimo Xavier dos Santos foram presos na operação. Uma gravação mostra a conversa entre um sargento da PM e um traficante. A polícia não divulgou o nome do PM, que ainda não foi preso.
Primeiro, o sargento pede mais dinheiro.
Sargento: Aí, os R$ 200 que falta, eu vou botar R$ 100 para domingo e R$ 100 para quinta.
Traficante: Pô, cara, mas aí quinta pra gente pagar R$100 já tá maior osso, meu parceiro.
Sargento: Você serve pra isso. Quer trocar de lugar comigo?
Depois, ele dá uma bronca no traficante.
Sargento: Se liga no papo que eu vou te dar, para tu se ligar no ritmo, que você como administrador do bagulho, tem que ser um cara safo, irmão.
Em seguida, a situação mais absurda: o PM ensina ao criminoso de como conseguir mais dinheiro. E o pior: o sargento, um agente do estado, manda o bandido usar menores de idade para vender droga.
Sargento: O bagulho tiver ruim, apertar, bota o moleque em cima da árvore, bota moleque rodando no carro, bota o moleque rodando de bicicleta, bota os moleque de roupa de colégio. Faz tua correria, irmão. Tem que aprender a assumir teus compromissos, compadre. Eu assumo o meu.
“Na verdade, é uma traição com os próprios policiais, que amanhã ou depois estão subindo o morro, entrando em locais e tomando tiros dos mesmos traficantes”, declara o subsecretário.